sexta-feira, 23 de novembro de 2012

COMUNICADO OFICIAL DA COORDENAÇÃO E DA EQUIPE TÉCNICA DO CRIA-UNIFESP DIANTE DO ENCERRAMENTO DE SUAS ATIVIDADES



O nosso objetivo é partilhar a indignação diante de grave acontecimento decorrente de uma tendência que vem prevalecendo no sistema estadual de saúde.

O governo de SP, através da Secretaria Estadual de Saúde (SES), assumiu, oficialmente, que serviços de base psicanalítica não contam com eficácia comprovada. Nesse contexto, propõe encerrar o apoio financeiro que há mais de dez anos confere ao Centro de Referência da Infância e Adolescência - CRIA.

O CRIA foi inaugurado em 2002, por um convênio entre a UNIFESP e a SES, com a interveniência da SPDM. É uma instituição que realiza cerca de 1200 atendimentos mensais de bebês, crianças, adolescentes e seus familiares através de uma equipe interdisciplinar que garante uma visão e assistência global aos pacientes.


A assistência prestada pelo CRIA é abrangente e inclui pacientes com diversas patologias graves. Para nosso espanto, a diretriz atual da secretaria de saúde do Estado de São Paulo criticou severamente o fato de atendermos qualquer queixa ou diagnostico afirmando que a população alvo deve ser composta por pacientes psicóticos e autistas. Entendemos que todo sofrimento merece ser escutado e tratado sem delimitar sua atuação em função de uma única patologia, diferentemente do que prega o mainstream atual das práticas médicas e assistências vigentes em nossa atualidade.

Nossos encaminhamentos são oriundos de diversas instituições (abrigos, escolas, creches, conselhos tutelares, vara da infância, hospitais, caps e outros serviços de saúde mental) que sideradas e apavoradas diante daquilo que escapa a nomenclatura dos manuais classificatórios nos procuram e demandam atendimento a esta população, pedindo ainda, em muitas situações, supervisão para a própria equipe.

Em que espaços serão escutadas e trabalhadas nas suas questões, as crianças que estão vivendo um luto pela morte de algum parente próximo, os adolescentes adotados, devolvidos por seus pais para abrigos? Ou mesmo adolescentes em relação fusional com seus objetos primordiais que fazem em seu próprio corpo os cortes simbólicos que não estão operando em seu psiquismo, levando-os a sérias tentativas de suicídio? Sem falar ainda nas inúmeras crianças que estão com fobias que a impedem de ir à escola, estudar ou aprender? Ou ainda os adolescentes chamados delinquentes que buscam a qualquer preço uma referência? E as crianças vitimas de violência, que necessitam de um espaço para falar?

Desta forma, ainda que atendemos, ao longo destes dez anos, crianças autistas e adolescentes psicóticos (temos dois programas estruturados para isso além de um programa de atendimento de bebês que procura identificar sinais de risco para tais patologias e intervir precocemente) não restringimos assistência à estas patologias.

A razão de nossa posição se deve à nossa concepção de clínica que considera como aspecto fundamental a plasticidade dos sintomas apresentados na infância e adolescência, e além disso, o fato do sofrimento destes jovens  estarem referidos a dinâmica familiar a qual estão inseridos. Se isto, por um lado, torna a tarefa clinica muito mais complicada e desafiadora, por outro, também garante as intervenções um grande poder de êxito, tornando esta clinica muito menos sujeita a cronificacão das patologias e por isso muito mais flexível e surpreendente.

Muitos pacientes que foram atendidos no CRIA melhoraram de seus sintomas e puderam retomar sua vida e seu desenvolvimento.  Mas não nos dispomos e nem nunca tivemos a pretensão de isentar os nossos pacientes de fazer calar sua angustia. Os convidamos com disponibilidade a que eles falem e escutem a história que acompanha seu sofrimento, o que se coloca nas entrelinhas, as várias versões sobre o que se apresenta como sintoma.

O fechamento do CRIA representa também uma perda na formação de médicos residentes, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais que la realizam suas primeiras experiências clinicas com crianças e adolescentes e que aprendem que por detrás de um diagnóstico, de uma patologia, existe um ser humano que sofre.

O CRIA, por estar inserido numa Universidade, oferece muitas horas de trabalho de sua  equipe na formação de estudantes e outros profissionais da rede por meio de supervisões clínicas, aulas, palestras, seminários e simpósios. Infelizmente, a SES ignora tais atividades afirmando que a instituição produz pouco.

A produtividade de um serviço que prima pela qualidade não pode ser medida apenas levando em conta números de atendimentos. O CRIA oferece aos pacientes consultas de longa duração para que possam falar de suas questões que ultrapassam a descrição fenomenológica dos sintomas.

A SES, ao fechar o CRIA, leva em consideração as consequências para os pacientes que há anos lá se tratam? Como responderão adolescentes que já tentaram suicídio diversas vezes e que lá encontraram um espaço para falar de seus sofrimentos sem precisarem recorrer a uma forma tão dramática? E as crianças tão vinculadas aos profissionais que há anos as atendem?

Nos resta agora a lamentável tarefa de dizer aos pacientes e seus familiares que há mais restrições de assistência a eles  no quadro da nossa saúde pública. Dizer a eles que o sofrimento que os levou a buscar atendimento não é suficiente nem legitimo de merecer escuta e trabalho. E que o vínculo que fizeram com os profissionais é irrelevante. Ainda que do ponto de vista epidemiológico seus sintomas e queixas componham parte significativa da demanda de atendimento.

Um comentário:

PATRICIA disse...

Ontem fui ao CRIA e recebi essa triste noticia... e estou muito decepcionada com o governo que mai uma vez demonstra nao estarem nem ai para a saude e o pior por picuinhas politicas eles fecham as portas de um lugar referencia, onde de certa forma é um porto seguro é um pedaço do chao que nos foram tirados com o diagnostico do autismo... e agora??? perdemos novamente o chao... o meu filho melhorou consideravelmente depois do CRIA apesar de ter so um transtorno do desenvolvimento e nao o diagnostico autistico. mas hoje ele fala melhor, brinca melhor, e se relaciona muito melhor.. è um descaso tao grande do governo de Sao Paulo que eles se quer cnhecem o trabalho do CRIA e decide despedir profissionais qualificados, desintegrar mais de 250 crianças que o CRIA vem tratando cm carinho e muito respeito e simplesmente fechar as portas... Esses caras do poder nao pensa em ninguem, nao pensa que por tras dessas crianças tem uma historia, um sofrimento e um poder enorme de levar a essas crianças o poder de um dia poderem caminhar sozinha.... MUITO TRISTE!!!!